Barracão Maravilha

A arte de hoje, que acontece na rua, na vida, no mundo “pós-crise-dos-valores”, “pós-utópico”, “pós-moderno”, “pós-tudo”, pode ser vivida e agenciada por indivíduos que buscam reunir, entrecruzar, trocar, confrontar, almejando à construção de um comum, de um compartilhado, que nada mais é que uma das acepções para o termo “estética”. Nesse caso, a “estética” é compreendida como um regime específico de identificação e de pensamento das artes – como um modo de articulação entre as maneiras de fazer, as formas de visibilidade dessas maneiras de fazer e os modos de pensar de suas relações¹.

Esse modo de conceber a arte, a partir da perspectiva estética, serve de impulso para artistas como Hugo Richard, Natali Tubenchlak, Robson e Zé Carlos Garcia, integrantes e criadores do Barracão Maravilha, espaço que funciona desde 2008 como ateliê aberto, lugar de exibição, de elaboração, de apresentação e de discussão envolvendo o cenário contemporâneo das artes visuais.

De fato, a escolha de uma metodologia de trabalho que segue o perfil de barracão de escola de samba – local de reunião para a produção de um evento espetacular –, remete a um campo de possibilidades do experimental. Aqui, na realização dos projetos, os artistas estão atentos aos elementos constituintes da cultura urbana, com a intenção de promover uma interlocução permanente com outros profissionais, oriundos de outras linguagens plásticas, tais que a moda, o design e a própria fabricação de adereços e alegorias carnavalescos.

Também integram as bases conceituais e plásticas dessas poéticas peças constituintes de uma “urbanidade tipicamente carioca”: os antiquários da região do Lavradio, as cores e o universo popular das ruas e do comércio do Saara, a vida noturna e boêmia da Lapa, as marcações murais de grafiteiros, além de outras marcações simbólicas, corporais, urbanas, sociais e históricas da cidade.

A dinâmica explosiva do Barracão Maravilha remete às palavras de Hélio Oiticica, quando, numa série de notas de março de 1972, intitulada “Experimentar o Experimental”, parafraseia Yoko Ono e afirma que a função do artista é “mudar o valor das coisas”. Mais adiante, no final desse mesmo documento, Hélio lança um alerta: “os fios soltos do experimental são energias soltas que brotam para um número aberto de possibilidades. No Brasil, há fios soltos num campo de possibilidades: por que não explorá-los?”.

Fabiana de Moraes
doutoranda em Tecnologias da comunicação e estéticas pela ECO/UFRJ
mestre em Ciências da Arte pela Université de Paris I- Panthéon-Sorbonne

¹Definição desenvolvida por Jacques Rancière.