A Terra, essa concentração de água e terra, já recebeu os mais diversos tipos de representações verbais e visuais. Sua forma de globo, por mais que se saiba que diversos objetos assim produzidos desde a Antiguidade, tem seu exemplar mais antigo preservado com autoria do alemão Martin Behaim e datado de 1492. Como Cristóvão Colombo retornou a Espanha apenas em 1493, as Américas não fazem parte dessa abstração tridimensional das dimensões do mundo. Com esse exemplo, podemos refletir sobre o que me parece ser o tópico central dessa exposição, ou seja, a relação entre imagem, História e território.
Do mesmo modo que mapas se modificam de acordo com as
expansões geográficas e novas técnicas de rastreamento e criação de imagem, as
apreensões sobre espaços que não são tidos como as raízes de narradores, ou
seja, o lugar do “outro”, ganham diferentes tons. Daniel de Roo em seu trabalho
“Detour” se apropria de parte da literatura de Hans Staden, famoso viajante do
século XVI que, longe de se encaixar na imagem dos naturalistas que
posteriormente chegam ao Brasil, vem em busca de fortuna e, por que não,
aventura. Teria Staden em mente a mítica ilha de Hy Brazil, já anunciada em
documentos da Idade Média?
Trabalhando justo com o campo da dúvida, somos convidados a
fruir uma série de narrações que, embebidas pelo caráter sério com tom de
oficialidade do sotaque britânico, nos coloca na perspectiva fabulosa de
Staden. Entre o documento e a ficção, entre o Renascimento e 2013, entre a
leitura e a interpretação histórica, mapas, embarcações e abstrações visuais
nos lembram que, mais do que o caráter escultórico de um globo, o “mundo”, esse
conceito tão vago quanto as verdades de um relato de viagem, pode e deve ser
desconstruído através de diferentes primeiras pessoas do singular.
Ao lado desse “detour” que em seu sentido de “anti-tour”
pode ser enxergado como uma digressão narrativa, temos as fotografias de Nicky
Dracoulis. Enquanto Staden esteve no Brasil por duas vezes com um intervalo de
um ano, a fotógrafa australiana agora retorna ao Brasil após sete anos de
hiato. As palavras saem de cena e dão espaço à criação de imagens através de
encontros mediados pela fotografia. A unidade que o Morro do Cantagalo
proporcionava através da música, se dissolveu e entranhou nas vicissitudes da
geografia e das mudanças políticas na cidade do Rio de Janeiro.
Como reativar esse contato com o outro sem cair numa
etnografia barata? Uma boa opção me parece ser a da série de reencenações de
fotografias mostradas nessa exposição. Mais do que lançar um olhar rápido e
estetizante, Nicky repensa junto aos seus fotografados como reconstruir poses e
espaços até então relativos a 2006. Cabelos, vestuários e o corpo de algumas
pessoas se alteram. Paredes são reformadas, amores são sustentados, o Cantagalo
é deixado para trás e, assim como tudo na vida, o desaparecimento abate uma das
pessoas com quem um dia teve contato. Para além da potência dessas imagens que,
lado a lado, falam sobre encontros de vidas (dentro das fotografias e, claro,
junto à fotógrafa), há um dado que me parece essencial: a presença de nomes
próprios que, somados ao brilho desses olhares, atravessa a materialidade do
papel e cruza continentes.
Os dois artistas participantes dessa exposição, portanto,
apresentam não apenas histórias que são circulares por si mesmas, seja devido
ao caráter ficcional de qualquer narrativa que se supõe histórica, ou seja pela
ficção intrínseca à fotografia; imagino que, do mesmo modo que os globos se
fazem circulares, temos à nossa frente histórias que também precisam circular
pelo globo. Não à toa, ambos cruzaram o atlântico para, uma vez mais, contarem
histórias que fogem das linearidades fáceis e nos incitam a uma percepção do
mundo de modo mais espiralado.
* Raphael Fonseca é crítico, curador e historiador da arte.
Professor do Colégio Pedro II. Doutorando em Crítica e História da Arte pela
UERJ.
Histórias Circulares será aberta ao público no dia 8 de novembro, sexta-feira, a partir das 19h no Barracão Maravilha. A exposição faz parte do último ciclo do nosso Programa Internacional de Residências em 2013, e fica em cartaz de segunda à quinta-feira, até o dia 14 de novembro, sempre das 12h às 17h. A entrada é gratuita.
Histórias Circulares será aberta ao público no dia 8 de novembro, sexta-feira, a partir das 19h no Barracão Maravilha. A exposição faz parte do último ciclo do nosso Programa Internacional de Residências em 2013, e fica em cartaz de segunda à quinta-feira, até o dia 14 de novembro, sempre das 12h às 17h. A entrada é gratuita.